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Andar com fé eu vou

Hoje faz dez anos da morte de Gabriel García Márquez, um gênio da literatura latino americana. A primeira vez que ouvi falar dele foi aos 10 ou 11 anos, quando ganhei de presente seu livro Amor nos tempos do cólera. Junto do presente tinha um bilhete carinhoso falando que talvez fosse muito jovem para ler a história mas que quando o fizesse seria inspirador.


Sendo sincera, acho que não tinha maturidade para ler nenhum dos livros do Márquez quando o fiz. Li Amor nos tempos do cólera uns 9 anos depois que ganhei de presente, e me lembro ter gostado da história, mas acredito que não tinha vivido o suficiente para entender completamente as nuances do amor entre Fermina e Florentino. Li Cem anos de solidão na faculdade, e entre os trabalhos da escola e saída com amigos, me enrolei para terminar – demorei mais de um ano. Me perdi na magia de Marquez e não consegui acompanhar a história direito. Parte de mim não tinha paciência para aceitar o não explicável e fui incapaz de insistir na fluidez de suas palavras. Que arrependimento! O único livro dele que lembro bem ter lido com muito gosto foi Crônica de uma morte anunciada, achei muito engraçado e divertido – era como ler o Ariana Suassuna da Colômbia. 


Fico pensando se o ambiente da leitura tem alguma coisa a ver com a nossa capacidade de apreciar as histórias e conectar com os objetos e pessoas ao nosso redor. É verdade que não faz muito sentido ler Gabriel García Márquez nos Estados Unidos, talvez na Califórnia se for para apelar, mas mesmo assim. Nada no cenário combina: a língua não permite ambiguidade, não tem estrada de terra no país, e as comunidades das cidades grandes se resumem a encontros de brunch no final de semana. Quando mudei para Itália, li os 4 livros da série da Helena Ferrante, A amiga gênial e que experiência incrível foi mergulhar na vida da Elena e Lila nas piazzas italianas. Estou convencida de que devo ir para Colômbia reler Cem anos de solidão e assim me redimir.


Sabia que Marquez é vencedor do prêmio Nobel e fui dar um google para ver quais outros autores latino americanos tinham ganhado o Nobel de literatura. SEIS! Somente seis autores latino americanos têm o prestígio internacional do Nobel esse tempo todo! Convenhamos que isso é uma vergonha, e não para a gente, mas para eles! Ainda mais depois que Bob Dylan ganhou e as letras de música entraram para jogo. Morei fora tempo suficiente para desconfiar dos critérios de avaliação dessas grandes decisões e entender que a subjetividade gringa é limitada ao que é conhecido por eles. E é difícil mesmo apreciar o desconhecido. Nunca consegui explicar reconvexo de Caetano em inglês e sigo tocando Tim Maia nas minhas festas de jantar. Em Nova York, me dei conta que temos uma música de axé que faz referência ao Egito e que nossa Ministra de Cultura é quem canta. Realmente, não tem explicação ou tradução que aguente!


Confesso que a organização e o “faz acontecer” dos Estados Unidos sempre me atraiu, mas a mistura e bagunça do Brasil me acompanha lealmente. E foi aí que me lembrei que ganhei Amor nos tempos do cólera na época em que fazia muitas perguntas para os meus pais, principalmente sobre Deus e religião. Desde muito nova cultivei minha admiração pela lógica das coisas e mantive tendência a classificar ideias – o que é muito limitante, ainda mais para uma criança. Percebi depois de velha, que o presente do livro era a forma dos meus pais me mostrarem que assim como Márquez, Deus não é sobre entender, é sobre sentir. 


Sigo em frente preparada para sentir tudo que estar por vir. E como já dizia Gilberto Gil, ganhador do meu prêmio Nobel, andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar.


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